Missão Humanitária em Roraima para atendimento dos refugiados venezuelanos 

Essa foi uma viagem sem os filhos na mala… 

na mala estavam doações (medicações e roupas) e muita disposição em ajudar!

Mas mesmo não tendo levado os filhos não podia deixar de registrar no blog essa experiência incrível. 

O convite veio da direção do Hospital de Clínicas da UFU, onde sou professora do Departamento de Pediatria e imediatamente veio a vontade de participar! Organizei plantões, agenda do consultório, aulas com alunos, a agenda dos filhos e poucos dias depois já estava na porta do Hospital, as 5:00 da manhã para irmos de van para Brasília.

Fiquei hospedada no Hotel América Bittar, bem ao lado da sede da EBSERH (Empresa Brasileira de Hospitais Universitários Federais) onde o grupo de quase 40 profissionais de saúde, vindos dos mais diferentes estados do país, se reuniu.

Tivemos uma reunião com o presidente da EBSERH (Kleber Morais) e depois fomos para o Ministério da Educação. Lá fomos recebidos pelo Ministro da Educação (Rossieli Soares), pelo Ministro da Defesa Civil (Joaquim Silva e Luna) e pelo presidente Michel Temer.

No discurso o presidente ressaltou a situação inédita do Brasil estar recebendo tantos imigrantes de uma só vez e as ações que estão sendo desenvolvidas. Assegurou que o Brasil não irá fechar suas fronteiras. Ao final, uma foto para registrar o momento!

Apesar das ressalvas do seu governo, ele é o nosso presidente! 

Achei uma honra sermos recebidos por ele e um privilégio poder participar desse projeto!

Foto com o ministro da Educação, Rossieli Soares, o ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna, o presidente Temer e o presidente da Ebserh, Kleber de Melo Morais durante o lançamento da Ação Ebserh Solidária em Roraima.

 

aparecemos até no instagram do presidente!

No domingo cedinho, antes do sol nascer, já estávamos na base aérea de Brasília, e embarcamos em 2 aviões da Força Aérea. O avião era super espaçoso e confortável. Fizemos uma parada para abastecer na Serra do Cachimbo, na transição entre o cerrado e a Floresta Amazônica. 

Seguimos até Boa Vista, que se encontra no Hemisfério Norte, e fomos recebidos com um calor de 32oC (sensação térmica de 37oC) no 7º Batalhão de Infantaria de Selva. Ali foi montada um verdadeiro “Quartel General” da Operação Acolhida, que deu suporte a nossa missão “EBSERH Solidária”.

De lá fomos a Universidade Federal de Roraima (UFRR) onde fomos recebidos pelo Reitor, pelo Capitão médico do Exército de Roraima e também pelo Representante da ONU para refugiados (ACNUR). Recebemos algumas explicações sobre a situação dos venezuelanos na cidade. Eles são chamados de refugiados e não imigrantes porque saíram do seu país contra a vontade.

Em Roraima existem 9 abrigos e 1 em Pacaraima, cada um com cerca de 400 a 800 pessoas, e não há mais vagas. Existem 2 abrigos em construção e ainda tem muitos imigrantes morando nas ruas. Existem abrigos para mulheres e homens solteiros, para famílias e 1 abrigo específico para os indígenas.

No 1o dia de trabalho fomos recebidos no Comando de Fronteira de Roraima, pelo General que está comandando a Operação Acolhida, criada pelo governo para receber esses venezuelanos. Entendemos um pouco da logística do processo: a Força Militar (Exército + Marinha + Aeronáutica) organizou inicialmente a fronteira, os abrigos e agora está iniciando o processo de interiorização desses refugiados. Todos os abrigos são administrados pelos militares: fornecem abrigo, segurança (mas ficam desarmados) e alimentação. A parte social e humanitária é feita pelas ONGs e pela ONU.

Fomos divididos em 9 equipes de acordo com as especialidades. A minha equipe estava completa: uma pediatra, uma gineco, um clínico e uma enfermeira! 

Atendi nos 7 abrigos que tinham famílias e portanto crianças, muitas crianças! As famílias são enormes, especialmente entre os indígenas, onde vi mães com 7 filhos! Poucos idosos e inúmeras crianças nos abrigos!! Os outros 3 abrigos só de homens e mulheres solteiros foram visitados por outras equipes.

*ABRIGO PINTOLÂNDIA – onde estão abrigados cerca de 700 indígenas venezuelanos de 2 etnias (Waraó e Eniampá). É administrado junto com uma ONG (Fraternidade Internacional) e tem uma organização física um pouco diferente: um grande galpão onde os índios dormem nas redes. Nesse abrigo recebem os alimentos para eles mesmo preparem, em fogões a lenha. É o abrigo mais antigo. É um outro tipo de imigrante, que já era excluído lá na Venezuela e estão nos abrigos sem expectativa: nem de trabalho, nem de retorno, nem de melhoria de vida. Para eles está bom do jeito que está e vão levando a vida assim, acomodados, muitos deles há mais de 1 ano no abrigo… e com famílias enormes, até 7 ou 8 filhos! Não aceitam bem o anticoncepcional comprimido nem preservativo, mas muitas aceitam o anticoncepcional injetável (fizemos vários!!). É o único abrigo que tem idosos. Os 2 enfermeiros voluntários (Edmundo e Janaina) são muito dedicados ao trabalho com os indígenas.

*NOVA CANAÃ – Com cerca de 430 abrigados, é administrado junto com a ONG Fraternidade Internacional. Bem organizado, com um espaço infantil e vários brinquedos, um espaço para artesanato e até uma pequena sala de aula. A enfermeira Samantha é muito carinhosa com os abrigados.

*HELIO CAMPOS – Com cerca de 250 abrigados. Esse abrigo é mais afastado da cidade e o acesso é por caminhão, pois a estrada tem muitos buracos e como fomos em dia de chuva havia muito barro. Lá está a ONG Fraternidade sem Fronteiras e foi o abrigo com o ambiente mais acolhedor, inclusive na interação das forças armadas com os abrigados, que nos outros locais é distante e fria. O coronel Eurides e o tenente Penha a todo momento brincavam com os refugiados e os tratavam com carinho e proximidade.

*RONDON 1 – Com cerca de 640 abrigados, o abrigo mais recente. Existem barracas e pequenas “casas” onde diferentes famílias dividem espaço.

*SÃO VICENTE – Com cerca de 400 abrigados.

*JARDIM FLORESTA – Com cerca de 630 abrigados

Nos abrigos onde não há voluntários de alguma ONG o nosso trabalho foi um pouco mais difícil. E imagino que a vida dos abrigados também. E mais difícil ainda a vida dos muitos refugiados que ainda moram nas ruas… 

Em todos os abrigos atendi muitas crianças com lesões de pele (escabiose, impetigo), infecções respiratórias (gripe, pneumonia, infecções de ouvido), broncoespasmo, diarreia e relatos de vermes nas fezes. Levamos medicamentos e em alguns abrigos havia uma pequena farmacinha, mas infelizmente foi pouco, e até fiz uma grande compra de medicamentos básicos em uma farmácia local. Muitas vezes atendia o paciente, anotava seu nome e sua “carpa” (barraca) e mandava entregar depois com a equipe que iria ao abrigo no dia seguinte.

Todos ganharam um sorriso, uma palavra de esperança e uma bomba! (bomba = balão!).

Alguns ganharam “injeccion” (puya).

E todos saiam felizes (bem, os da injeção saiam chorando…).

quando perguntei a essa mãe se tinha só essas 2 lindas meninas ela me contou, com lágrimas, que havia deixado na Venezuela os 2 mais velhos, de 9 e 13 anos, com a avó… a idade dos meus filhos… não consegui e comecei a chorar com ela… após um abraço, a consulta seguiu…

Falei muito sobre a importância de não se dar “caramelo” (bala) para os bebês, de “cepillar los dientes” e aprendi muitas expressões novas!

O que mais me aqueceu o coração nesses dias foi ver que o índice de amamentação é muito alto! Nessa situação “dar a teta” (como elas falam) é ainda mais importante!

esse bebê nasceu no dia seguinte ao que a mãe chegou em Pacaraima, de parto normal

esse é o 7o filho desta índia venezuelana

Algumas equipes foram ajudar no processo de interiorização, e contaram histórias impressionantes, inclusive de pessoas que são perseguidos políticos na Venezuela e vieram para o Brasil por isso. E também de pessoas qualificadas (dentistas, empresários, enfermeiras e engenheiros) que vieram tentar uma vida melhor aqui no Brasil. Para esses o processo de interiorização é mais fácil. A promessa do governo é levar cerca de 400 imigrantes para outros estados por semana.

No último dia da missão fomos a Pacaraima, que fica a 220 km de Boa Vista (3 horas e meia de ônibus!), bem na fronteira com a Venezuela. Fica no alto de uma montanha, e por isso é muito mais fresco que Boa Vista. Chega a fazer frio ao amanhecer e a noite! É a única via de acesso para o Brasil, pois o restante da fronteira é floresta. A cidade mais próxima na Venezuela é Santa Helena de Uairén, que fica a menos de 20km de Pacaraima.

Pacaraima é muito pequena, com cerca de 12.000 habitantes e deve viver apenas desse movimento que há na fronteira do país. Está muito confusa, com muitas pessoas nas ruas, rodoviária cheia, chegando mais e mais venezuelanos.

Conhecemos a estrutura montada pela Polícia Federal, Receita Federal, Forças Armadas, ONU e Nações Unidas. O imigrante chega, e tem que se declarar turista ou refugiado. Se é turista pode seguir adiante, e não tem auxílio para abrigo ou para fazer documentos. Se ele se declara refugiado entra em um fluxo que inclui: fazer os documentos (Identidade, CPF, carteira de trabalho), vacinação e encaminhamento para um abrigo. A estrutura montada é imensa, e na teoria funciona tudo muito bem. Tem até um Hospital de Campanha do exército, com enfermaria e unidade de UTI. Mas essa estrutura só foi montada há 90 dias. Antes disso eles chegavam e seguiam viagem para Boa Vista, sem documentos brasileiros e com isso não conseguem trabalhar e nem entrar nos abrigos.

O abrigo de Pacaraima (JANOKOIDA) também é voltado para a população indígena. 

Nesse dia os 4 pediatras atenderam juntos em um contêiner! Trabalhamos muito (em pé, cadeira só para a mãe) e foi divertido escutar os colegas tentando conversar com as mães, num “portunhol” cheio de mímicas para “tos” (tosse), “flema” (catarro), “estornudar” (espirrar), “picar” (coçar)…

No dia 31/08, aniversário de casamento, estava a mais de 4.000 km de distância do meu marido. Foi a 1a vez, desde que nos casamos, há 16 anos, que não passamos essa data juntos. Ele estava em casa, cuidando dos meninos, para que eu pudesse realizar meus sonhos e ajudar outras pessoas. Ele sempre foi o meu maior incentivador para tudo que eu quisesse fazer, muitas vezes, antes mesmo de eu saber que queria… sempre foi o meu porto seguro, meu amigo, meu conselheiro. Quando recebi o convite para essa viagem, no segundo seguinte, animada com a oportunidade mas insegura com tudo que estávamos vendo acontecer pela TV aqui em Roraima, eu já estava ligando para ele. E escutei você dizer ao telefone: “pode ir, eu sei que você quer ir!” Fica aqui o registro da minha gratidão e do meu amor infinito! 

Pelo que percebi nesses dias existem 3 tipos de imigrantes:

  • o indígena, que não tem muita expectativa, me pareceram bastante acomodados a viver em um abrigo onde recebem alimentos. Fazem um pouco de artesanato e vendem aos visitantes que chegam no abrigo.
  • Os pobres, que vieram por falta de opção, com famílias numerosas, muitas mulheres e crianças sem os parceiros, porque estavam realmente passando fome. Como vieram antes dessa estrutura montada sofreram muito tempo nas ruas e praças. Estão revoltados com o governo da Venezuela e acho que pensam em voltar quando as coisas melhorarem por lá, até porque acredito que não tem muita perspectiva de se estabelecerem no país.
  • Alguns mais qualificados que vieram para tentar uma oportunidade de trabalho no Brasil. Alguns já se integraram ao mercado de trabalho local e outros estão tendo sorte de conseguir a interiorização. Acho que esses não pretendem voltar.

Na cidade de Roraima a força de trabalho venezuelana já está totalmente integrada: tive contato com vários deles, trabalhando em restaurantes, hotéis, farmácias, motorista de uber…

Já participei de 4 missões humanitárias antes, (todas ao lado do meu marido!) organizadas por organizações não governamentais, que seguem um outro estilo. Essa foi a minha 1a missão governamental, “oficial”, uma experiência realmente diferente, com muita pompa, protocolo, registros fotográficos e cobertura da imprensa (saímos até no Jornal Nacional). Mas também com uma certa “lentidão” na ação, pois envolve reuniões, regras e horários que tínhamos que cumprir. 

Voltei para casa com muitas histórias tristes, algumas com um pouco de felicidade dentro da tristeza. E uma angústia enorme em ver de perto a situação que o mundo atual se encontra, principalmente ao pensar que existem refugiados em todo o planeta. Mas voltei com um conforto no coração de ter contribuído um pouquinho…

essa bebê tem apenas 7 dias – sua mãe me contou que veio grávida para o Brasil, morou 1 mês de aluguel mas o dinheiro acabou e foi para rua. Disse que uma moça chamada Pâmela a ajudou. Foi para o abrigo 1 mês antes da bebê nascer. O nome dela? Pâmela… fiquei emocionada ao saber que ainda existem pessoas dispostas a estender a mão.

 

 

Links de reportagens dessa missão:

 

https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/08/25/governo-anuncia-mutirao-para-atender-venezuelanos-que-estao-em-roraima.ghtml

https://mobile.twitter.com/tvnbr/status/1034074770361470977

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2018/08/26/profissionais-da-saude-deixam-brasilia-para-atender-venezuelanos-em-roraima.ghtml

http://www.fab.mil.br/noticias/mostra/32667/AJUDA%20HUMANIT%C3%81RIA%20%E2%80%93%20FAB%20transporta%20profissionais%20de%20sa%C3%BAde%20para%20atuar%20no%20apoio%20aos%20venezuelanos%20em%20RR

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/08/27/em-boa-vista-voluntarios-dao-atendimento-medico-a-venezuelanos.ghtmlyoutube.com/watch?v=SuSHWhCzyfs

www.youtube.com/watch?v=SuSHWhCzyfs

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